É tarde para me encontrar
Se eu já estava perdido e vazio
Levado p’lo rio
À margem do sentido.
É tarde p’ra lutar por um ideal
Se eu sou vencido
Que adianta acordar?
Que adianta, afinal?
Na peça que não escrevi
Num palco que não escolhi
P’ra quem eu nunca vi.
E agora?
O que é que levo comigo?
Uma mão cheia de nada
Uma atuação adiada
Que me devora.
É o castigo
Por acordar com demora
Mentir a mim mesmo em direto
Em troca do que era correto.
E agora?
Pedem bis, finjo não ouvir
Aceito o convite que o sol
Me faz lá fora.
É tão morna a luz que quer descobrir
Que o nada é tudo
E o sempre é agora.
Desço ao café do quiosque para trocar dois dedos
De conversa com os amigos de sempre.
Soltamos umas gargalhadas e resgatamos umas cantorias do baú,
Tudo isto temperado com um insulto mútuo qb,
Sinal que a nossa amizade continua saudável.
Peço o prato do dia e um capricho como sobremesa,
A bica vem com um cheirinho para dar ginga ao passeio que se segue.
Remato o banquete com um quadradinho de chocolate preto.
Penso em vender os aparatos que não uso
E dar todas as roupas que só vesti no dia que as comprei
Semeio as minhas causas e ideais para quem as quiser colher no futuro
E, possuído por um egoísmo ofegante,
Compro a viagem que sempre adiei.
A caminho do aeroporto,
Olho pelo espelho retrovisor
E deparo-me com o passado que hipotequei
Porém, a chamada para a porta de embarque
E a nódoa que o almoço gravou na minha camisa
Relembram-me que acordei a tempo.
Nesta alegre tristeza
Fecho a porta ao sair
Mas deixo a luz acesa
Deixo a quem está p’ra vir.
P’ra quê viver ao revés?
Torna-te quem és.
Torna-te quem és.
Torna-te quem és.
Torna-te quem és.
2019
Letra: João “Aramis” Correia e Paulo “Fanan” Nunes
Composição: João “Aramis” Correia